Greves de professores quase "self-service". Leia o parecer da PGR e saiba o que está em causa
Procuradoria baseia a sua análise num esclarecimento feito aos professores na página do sindicato.
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O parecer da Procuradoria-Geral da República sobre a greve convocada pelo Sindicato de Todos os Profissionais da Educação aponta que a informação dada aos professores pela organização, de que podiam fazer greve apenas durante parte do dia, aproxima a iniciativa de uma "greve self-service", algo que não fazia parte do pré-aviso original e que põe em causa a legalidade da mesma.
LEIA AQUI O PARECER DA PGR NA ÍNTEGRA
"Se cada docente, atenta a referência a primeiros tempos efetuada pelo Sindicato nas indicadas «FAQS GREVE 2022»>, decidir o dia, o tempo e a concreta duração do período de adesão à greve, numa gestão individual, deve-se concluir que se está perante uma greve com características similares às das greves self-service, onde os efeitos pretendidos se diluem, atento o modo de desenvolvimento da atividade escolar por unidades letivas", lê-se na conclusão 16.ª do documento enviado ao ministério da Educação.
A PGR assinala que, na informação transmitida pelo S.TO.P. ao Governo, a greve seria à jornada diária de trabalho, mas que essa informação era diferente da que constava de um documento disponibilizado pelo próprio sindicato.
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Greve ao dia todo ou aos primeiros tempos?
Na publicação "FAQ GREVE 2022" - em que são dadas respostas a várias perguntas sobre a greve - o S.TO.P. dava luz verde aos professores para poderem fazer uma greve com a duração que pretendessem.
Nessa página, em que está um conjunto de 16 perguntas e respostas para os professores, surgem as questões: "Como posso organizar a minha adesão à greve?", "Tenho de avisar antecipadamente que vou fazer greve?"e "Se faltarmos aos dois primeiros tempos da manhã não descontam o dia todo?"
Na resposta à primeira destas perguntas lê-se que a greve "pode ser realizada durante todo o dia ou, por exemplo, fazer greve ao início do dia e, se assim entender, interromper a greve após os primeiros tempos/horas", algo que não corresponde, no entender da PGR, ao que se lia no pré-aviso.
"A pretensão de que os trabalhadores diariamente, durante esse período (de longa duração), pudessem fazer, a cada dia, greve apenas aos primeiros tempos do horário diário" impunha que esse cenário "também tivesse sido contemplado no aviso prévio".
Sem que tal seja feito, assinala a PGR no parecer, não é "legalmente permitido esse sucessivo modo de execução parcial".
Numa outra resposta é mesmo dito aos professores que "não é necessário justificar a falta" desde que tenham feito greve "a uma só parte do dia".
O sindicato aconselha a entrega, "na secretaria do Agrupamento de Escolas/Escola não Agrupada um papel de retorno, com a hora da retoma ao serviço" para que não seja descontada "a totalidade do dia no vencimento".
Noutra resposta lê-se ainda que o trabalhador "pode decidir em cima da hora de entrada ao serviço que quer fazer greve, assim como pode decidir terminar a greve em qualquer altura do dia", o que também não alinha com o entendimento da PGR.
A procuradoria assinala ainda que a decisão de fazer greve "em inobservância ao constante no aviso prévio, no que concerne à sua duração" - que é definida nos pré-avisos como "uma paralisação nacional a todo o serviço, durante o período de funcionamento correspondente ao dia decretado" - "afeta a legalidade" da mesma e leva os trabalhadores a incorrer "no regime de faltas injustificadas".
Este parecer do Conselho Consultivo, escreve o ministério, "será homologado" e greve terá agora de "respeitar os pré-avisos" apresentados pelos sindicatos "em respeito pela legislação que enquadra o direito à greve, enquanto direito fundamental dos trabalhadores".
S.TO.P. tem de decidir que caminho segue
Em declarações à TSF, Luís Gonçalves da Silva, especialista em direito do trabalho, explica que perante este parecer, o Governo pode, no limite, avançar para a rescisão do contrato de trabalho, mas só o tribunal "poderá decretar a greve ilegal".
O documento hoje revelado, assinala, é já uma análise "profunda e que deve fazer refletir quer os sindicatos, quer os trabalhadores que aderem".
"As ausências dos trabalhadores, com base no pré-aviso e da forma como as têm feito, são injustificadas", o que se traduz em "infrações disciplinares" que podem ser "fundamento para a cessação do contrato".
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Perante os dados trazidos a público pela PGR, o S.TO.P. tem agora dois caminhos: "Ou passa a executar a greve de acordo com os pré-avisos que faz, ou altera os pré-avisos para fazer uma greve como pretende, de forma mais ampla."
O problema do segundo caminho é o de que, porque a greve suspende os contratos, há perda de rendimentos. "Perante uma classe que claramente não tem uma retribuição especialmente robusta, diria que é muito difícil que os trabalhadores continuem a resistir durante muito mais tempo", observa.
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"Já há muitos anos que sabemos que a resistência e duração de uma greve têm a ver com uma questão muito simples: a capacidade financeira para resistir à privação do salário", assinala também Luís Gonçalves da Silva.
Por agora, o Governo ganha uma arma jurídica que "pode fazer ricochete", alerta este especialista, "porque um dos pontos que é central para qualquer das partes é a opinião pública" e, se num primeiro momento havia apoio a esta greve, este parecer e as consequências nas aprendizagens podem mudar o cenário.