"Políticos são alvo preferencial." Pacheco Pereira pede reflexão sobre poder do Ministério Público
Pacheco Pereira e António Lobo Xavier defendem, no programa O Princípio da Incerteza, uma clarificação dos poderes do Ministério Público. Já Alexandra Leitão lembra que, até que haja um desfecho de cada caso, assiste-se à morte cívica dos agentes políticos.
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O antigo líder parlamentar do PSD José Pacheco Pereira defendeu, no programa O Princípio da Incerteza da TSF e CNN, este domingo, que é imperioso debater o poder do Ministério Público na democracia. Para o social-democrata os políticos são um alvo preferencial e é preciso debater o papel do Ministério Público sob pena de a democracia acabar fragilizada.
"Não tenho nenhuma dificuldade em fazer uma denúncia credível ao Ministério Público, que lhes pareça credível e, no entanto, ser completamente falsa de uma ponta à outra. O facto de haver denúncias não significa que elas possam ser aceites como válidas quando não há nenhuma substância. O pior é que as pessoas são colocadas sob escuta durante vários anos e o objetivo da escuta é procurar provas que não existem. Insisto que aqui os políticos são, do ponto de vista do Ministério Público, do ponto de vista da opinião pública, do ponto de vista do Chega e do populismo um alvo preferencial. Que sentido tem as pessoas andarem anos e anos e anos a serem escutadas a partir daquilo a que se chama um indício, que muitas vezes é uma coisa ténue ou é uma denúncia interior ou é uma carta anónima. A partir disso, andam vários anos a ser escutados, não encontram provas, continuam a ser escutados. Estas coisas são más para a democracia", argumentou Pacheco Pereira.
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Uma opinião também partilhada pelo antigo dirigente centrista António Lobo Xavier, que defende que, sem uma clarificação dos poderes e do papel do Ministério Público, pode ser posta em causa a separação de poderes.
"O medo que eu tenha em matéria de separação de poderes hoje, ainda que diante deste caso, não é tanto o medo de que haja uma ação concertada contra o poder político de cavaleiros brancos. Com franqueza, eu vejo erros, incompetência, loucura, falta de meios dos juízes de instrução, mas não vejo essa ação concertada. O meu medo é mais que esses erros e esses exageros tragam, mais tarde ou mais cedo, o poder político a achar que tem fundamentos para romper com essa separação de poderes pelo lado pior, limitando os poderes dos tribunais, limitando ou introduzindo escolha dos juízes, introduzindo limitações à intervenção dos vários tipos de magistratura. Esse é o perigo que nós temos nas democracias da Europa e do mundo, não é o perigo dos cavaleiros brancos, para já", alertou Lobo Xavier.
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Numa semana em que vários processos judiciais a envolver políticos foram arquivados, Alexandra Leitão sublinha que até que haja um desfecho, assistimos à morte cívica dos agentes políticos.
"Estas situações também ocorrem com pessoas que não são da política, eu sei, só que não nos podemos esquecer de duas coisas. É que quando a pessoa tem visibilidade pública - e até não é só na política, noutras áreas da vida pública -, à questão criminal e à questão processual propriamente dita de ser escutado, de ser buscado, etc. soma-se a morte cívica que lhe vai durando enquanto não houver um desfecho para um lado ou para o outro. Aquele caso que eu há pouco disse da contratação de serviços jurídicos pela câmara. De vez em quando lá aparecia uma notícia. Quando Fernando Medina vai para o Governo aparece a notícia e isto é uma morte cívica. Todas as violações desses direitos ou essa compressão, porque violação pressupõe que é ilegal, mas essa compressão de direitos, ainda que legalmente, quando são pessoas da vida pública tem acrescida essa morte cívica enquanto a questão dura e às vezes dura muito", lembrou Alexandra Leitão.
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A deputada e antiga ministra socialista dá ainda o exemplo das escutas a João Galamba para afirmar que quem tem visibilidade pública acaba por ter os direitos reprimidos.
"João Galamba esteve quatro anos a ser escutado e deve continuar agora. Gostava que as pessoas que estão lá em casa a ouvir percebessem que durante quatro anos - e outras pessoas devem estar o mesmo tempo ou mais - todas as conversas que ele e outra pessoa na mesma situação tiveram foram escutadas. Estamos a falar de conversas com a mulher, com os filhos, com pais e com amigos. É uma coisa muito pesada. E ao fim de quatro anos foi constituído, salvo erro, como arguido por causa do lítio ou lá o que é, mas são quatro anos de escutas. Dir-me-ão: "mas isso é legal". É sim senhor. Como dizia José Pacheco Pereira, não estamos a falar do que é legal. O que diz a lei é que enquanto durar o inquérito pode haver a continuação de escutas desde que de X em X tempo seja novamente renovada a sua autorização. Não estou a pôr em causa essa legalidade, sou jurista e sei que não. Agora um inquérito que demora quatro anos para obter provas com quatro anos de escutas, são 35 volumes, de 250 páginas. É uma coisa do outro mundo as pessoas saberem ao fim de quatro anos que quatro anos da sua vida estiveram a ser escutados", acrescentou a socialista.
Pode ouvir aqui todos os episódios do programa O Princípio da Incerteza.