Portugueses com mais de 66 anos e rendimentos baixos são os que mais jogam raspadinhas
Cerca de 100 mil portugueses das camadas mais frágeis da sociedade podem estar em risco de desenvolver jogo patológico associado às raspadinhas. Estes são os primeiros alertas do estudo "Quem Paga a Raspadinha", que será apresentado, esta terça-feira, no Conselho Económico e Social.
Corpo do artigo
Têm mais de 66 anos, ensino básico ou secundário e rendimentos a rondar entre os 400 e os 664 euros. Estes são os indivíduos com maior probabilidade de serem jogadores frequentes de raspadinhas em Portugal. As conclusões são da primeira fase do estudo "Quem Paga a Raspadinha", que será apresentado esta terça-feira, pelas 9h30, no Conselho Económico e Social.
O trabalho, coordenado por dois investigadores da Universidade do Minho, Pedro Morgado e Luís Aguiar-Conraria, revela que estas pessoas têm 3,1 vezes mais probabilidades de serem jogadores frequentes do que os cidadãos que auferem mais de 1500 euros por mês.
O estudo contou com 3761 entrevistas, sendo que apenas 2554 foram concluídas, o que, segundo o investigador da Escola de Medicina da UMinho, Pedro Morgado, dificulta o cálculo de gastos anuais.
TSF\audio\2023\09\noticias\19\vanessa_batista_7h_raspadinhas
"As pessoas que têm mais tendência a jogar um jogo de sorte e azar, também têm mais tendência a não levar um inquérito deste tipo até ao fim. Por isso, quando nós analisamos e comparamos os gastos médios das pessoas que desistiram de preencher o inquérito, nós temos gastos médios de 227 euros por ano, que comparam com gastos de apenas 38 euros entre aqueles que responderam ao nosso inquérito até ao fim", explica.
"Isto é perfeitamente compreensível porque a impulsividade e esta baixa tolerância a responder a algo que leva tempo é uma das características dos jogadores, nomeadamente daqueles que têm mais problemas de jogo patológico. A outra questão é que as pessoas que jogam qualquer jogo de azar tendem a subestimar o seu gasto", refere.
Para o responsável, "se este estudo tiver algum problema é o de ainda subestimar o uso de raspadinhas em Portugal", visto que, segundo dados publicados em 2020, num artigo na revista médica "The Lancet Psychiatry", em Portugal, cada pessoa consumia em média 160 euros por mês neste jogo.
A percentagem de inquiridos que confessa ser jogador frequente é de 8,7% (221 participantes), contudo, quando a pergunta colocada é se "sentem necessidade de jogar para ganhar dinheiro?", 83% garante que diariamente.
No que toca a problemas de jogo, cerca de 100 mil portugueses apresentam sintomas ou comportamentos alarmantes, dos quais perto de 30 mil manifestam perturbação de jogo patológico, ou seja, consomem raspadinhas de forma "doentia".
Estas pessoas têm maior probabilidade de apresentar sintomas depressivos, ansiedade e stress, sendo que indivíduos com estas patologias também têm uma maior probabilidade de desenvolver jogo patológico. O investigador frisa que este pode também ser um primeiro passo no sentido de outras dependências como o álcool.
Para Pedro Morgado, é premente implementar no terreno mais políticas para regulamentar as raspadinhas. Desde logo, restringir os locais de venda, criar um cartão de jogador que permita identificar padrões de uso de jogo que possam ser patológicos, mas também ajudar a que as pessoas se autoexcluam desta ação. O investigador lança a questão: será que os mecanismos de proteção e de autorregulação em vigor são suficientes?
Estes são apenas os primeiros resultados do estudo "Quem Paga a Raspadinha". Depois da caracterização socioeconómica, segue-se a caracterização do jogador de raspadinhas e a identificação das zonas do país em que o jogo é mais popular. Já na terceira fase, o objetivo passa por perceber, através de avaliações de ressonâncias magnéticas funcionais, se existem diferenças entre um jogador patológico de raspadinhas e de outros jogos de sorte e azar.
Os atrasos na conclusão do estudo estão relacionados, garante Pedro Morgado, com "questões burocráticas".
Recorde-se que, em 2018, os portugueses gastaram perto de 1,6 mil milhões de euros em raspadinhas. Portugal é o país da Europa com maior gasto per capita em raspadinhas, com valores acima do dobro da média europeia.