O Ministério Público deduziu esta quarta-feira acusação contra 28 arguidos, depois de vários adiamentos da conclusão de um megaprocesso que começou a 19 de julho de 2013.
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O comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR) chegou pouco depois das 10h30 às redações, anunciando as conclusões de um processo que nos últimos anos agitou a Justiça e também a Política em Portugal.
Veja aqui o comunicado da PGR na íntegra
Entre os 28 arguidos, o nome do antigo primeiro-ministro José Sócrates ganha destaque. Está acusado de 31 crimes: três de corrupção passiva, 16 de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documento e três de fraude fiscal qualificada.
Segue-se o antigo banqueiro Ricardo Salgado que é acusado de 21 crimes, entre eles corrupção ativa de titular de cargo político, dois crimes de corrupção ativa, nove de branqueamento de capitais, três de abuso de confiança, três de falsificação de documento e três de fraude fiscal qualificada.
Carlos Manuel dos Santos Silva, empresário e amigo de Sócrates, é acusado de um crime de corrupção passiva de titular de cargo político, um crime de corrupção ativa de titular de cargo político, 17 de branqueamento de capitais, dez de falsificação de documento, um crime de fraude fiscal e três de fraude fiscal qualificada.
Zeinal Bava, ex-presidente executivo da PT, está acusado de um crime de corrupção passiva, um crime de branqueamento de capitais, um falsificação de documento e de fraude fiscal qualificada.
Henrique Granadeiro, antigo gestor da PT, está acusado de um crime de corrupção passiva, dois crimes de branqueamento de capitais, um de peculato, um de abuso de confiança e três crimes de fraude fiscal qualificada.
Há ainda outros 23 arguidos - 14 pessoas singulares e 9 pessoas coletivas. São eles:
Joaquim Barroca Vieira Rodrigues, ex-administrador do Grupo Lena, pela prática de crimes de corrupção ativa de titular de cargo político (1), corrupção ativa (1), branqueamento de capitais (7), falsificação de documento (3) e fraude fiscal qualificada (2).
Armando António Martins Vara, ex-ministro e antigo administrador da CGD, pela prática de crimes de corrupção passiva de Titular de Cargo Político (1), branqueamento de capitais (2) e fraude fiscal qualificada (2).
Bárbara Catarina Figueira Vara, filha de Armando Vara, pela prática de crimes de branqueamento de capitais (2).
Rui Miguel de Oliveira Horta e Costa, administrador não executivo dos CTT, pela prática de crimes de corrupção ativa de titular de cargo político (1), branqueamento de capitais (1) e fraude fiscal qualificada (2).
Luís Manuel Ferreira da Silva Marques, funcionário da Infraestruturas de Portugal, pela prática de crimes de corrupção passiva (1) e branqueamento de capitais (1).
José Luís Ribeiro dos Santos, funcionário da Infraestruturas de Portugal, pela prática de crimes de corrupção ativa (1) e branqueamento de capitais (1).
José Diogo da Rocha Vieira Gaspar Ferreira, ex-diretor executivo do empreendimento Vale de Lobo, pela prática de crimes de corrupção ativa de titular de cargo político (1), branqueamento de capitais (2) e fraude fiscal qualificada (3).
José Paulo Bernardo Pinto de Sousa, primo de José Sócrates, pela prática de crimes de branqueamento de capitais (2).
Hélder José Bataglia dos Santos, empresário, pela prática de crimes de branqueamento de capitais (5), falsificação de documento (2), abuso de confiança (1) e fiscal qualificada (2).
Gonçalo Nuno Mendes da Trindade Ferreira, advogado, pela prática de crimes de branqueamento de capitais (3) e falsificação de documento (1).
Inês Maria Carrusca Pontes do Rosário, mulher de Carlos Santos Silva, pela prática de crime de branqueamento de capitais (1).
João Pedro Soares Antunes Perna, antigo motorista de José Sócrates, pela prática de crimes de branqueamento de capitais (1) e detenção de arma proibida (1).
Sofia Mesquita Carvalho Fava, ex-mulher de José Sócrates, pela prática de crimes de branqueamento de capitais (1) e falsificação de documento (1).
Rui Manuel Antunes Mão de Ferro, sócio administrador e gerente de diversas empresas, pela prática de crimes de branqueamento de capitais (1) e falsificação de documento (4).
Lena Engenharia e Construções, SA, pela prática de crimes de corrupção ativa (2) branqueamento de capitais (3) e fraude fiscal qualificada (2).
Lena Engenharia e Construção SGPS, pela prática de crimes de corrupção ativa (2) e branqueamento de capitais (1). LENA SGPS, pela prática de crimes de corrupção ativa (2) e branqueamento de capitais (1).
XLM - Sociedade de Estudos e Projectos Lda, pela prática de crimes de branqueamento de capitais (3) e fraude fiscal qualificada (2).
RMF - Consulting, Gestão e Consultadoria Estratégica, Lda, pela prática de crime de branqueamento de capitais (1)
XMI - Management & Investments SA, pela prática de crimes de corrupção ativa (1) e branqueamento de capitais (1).
Oceano Clube - Empreendimentos Turísticos do Algarve SA, pela prática de crimes de fraude fiscal qualificada (3).
Vale do Lobo Resort Turístico de Luxo SA, pela prática de crimes de fraude fiscal qualificada (3).
Pepelan - Consultadoria e Gestão SA, pela prática de crimes de fraude fiscal qualificada (1) branqueamento de capitais (1).
A Operação Marquês contava com 32 arguidos. Os arguidos João Abrantes Serra, Joaquim Paulo da Conceição e Paulo Lalanda e Castro não foram acusados, assim como a empresa Rentlei - Automóveis e Turismo SA.
O que diz o Ministério Público
O Ministério Público (MP) considera que José Sócrates, "na qualidade de primeiro-ministro e também após a cessação dessas funções, permitiu a obtenção, por parte do Grupo Lena, de benefícios comerciais" e que Carlos Santos Silva "interveio como intermediário de José Sócrates em todos os contactos com o referido grupo".
A troco desses benefícios, escreve o MP, e em representação do Grupo Lena, o arguido Joaquim Barroca aceitou efetuar pagamentos, em primeiro lugar para a esfera de Carlos Santos Silva, mas que eram destinados a José Sócrates. Considera ainda o MP que Joaquim Barroca permitiu a utilização de contas bancárias abertas em seu nome na Suíça para movimentar fundos que se destinavam a José Sócrates.
Para o MP, Carlos Santos Silva, "tendo em vista receber outros montantes destinados a José Sócrates, disponibilizou sociedades por si detidas para receber quantias provenientes do Grupo Lena, com base em pretensos contratos de prestação de serviços".
Os fundos acumulados na Suíça integravam também pagamentos determinados por Ricardo Salgado, "com a mobilização de quantias oriundas de entidades em offshore que pertenciam ao Grupo Espírito Santo", explica o MP, sublinhando que estes pagamentos "estavam relacionados com intervenções de José Sócrates, enquanto primeiro-ministro, em favor da estratégia definida por Ricardo Salgado para o grupo Portugal Telecom, do qual o BES era acionista".
"Para ocultar essa finalidade, Ricardo Salgado utilizou o arguido Hélder Bataglia para fazer circular fundos por contas no estrangeiro controladas por este último. Todos esses pagamentos eram justificados com contratos fictícios em que era interveniente Hélder Bataglia".
Explica igualmente que Sócrates, conluiado com Armando vara, à data administrador da Caixa Geral de Depósitos, "recebeu também pagamentos com origem em receitas desviadas do grupo Vale de Lobo". "Tais pagamentos foram determinados por administradores de sociedade desse grupo, tendo em vista facilitar a concessão de financiamentos por parte da CGD", frisa o despacho de acusação.
Com origem nos grupos LENA, Espírito Santo e Vale de Lobo, segundo o MP, foi acumulado na Suíça, entre 2006 e 2009, um montante superior a 34 milhões de euros.
"Este dinheiro foi, num primeiro momento, recebido em contas controladas pelo arguido José Paulo Pinto de Sousa [primo de José Sócrates] e, mais tarde, em contas de Carlos Santos Silva (neste caso, com prévia passagem por contas de Joaquim Barroca)", acrescenta.
Segundo a acusação, Carlos Santos Silva veio depois a transferir o dinheiro para Portugal, através de uma pretensa adesão ao regime RERT II (regime excecional de regularização tributária), "visando a sua posterior colocação em contas por si tituladas mas para utilizações no interesse de José Sócrates".
Tal utilização passava, designadamente, por levantamentos e entregas de quantias em numerário a Sócrates, as quais eram efetuadas com a intervenção de Carlos Santos Silva, mas também dos arguidos Inês do Rosário, João Perna e Gonçalo Ferreira.
Esses fundos foram, igualmente, utilizados para aquisição de imóveis, obras de arte, pagamento de viagens, aquisições de exemplares do livro do ex-primeiro-ministro e para fazer chegar dinheiro a pessoas das relações deste arguido, considera o Ministério Público.
Para o MP, também a ex-mulher de Sócrates, Sofia Fava, aceitou figurar como compradora da herdade "Monte das Margaridas", em Montemor-o-Novo. "O imóvel foi adquirido com um financiamento bancário garantido por Carlos Santos Silva, suportado nos fundos trazidos da Suíça, refere a acusação.
Entre outros pagamentos a favor de José Sócrates, o MP diz que Ricardo Salgado determinou também que fossem efetuados pagamentos a Zeinal Bava e Henrique Granadeiro. Nesse período, entre 2006 e 2010, Bava e Granadeiro exerceram funções na administração da Portugal Telecom," tendo aceitado esses pagamentos para agir em conformidade com interesses definidos por Ricardo Salgado para o BES enquanto acionista da PT".
Ainda com origem no Grupo Espírito Santo, e por determinação de Ricardo Salgado, já em 2010 e 2011, Santos Silva "terá montado um esquema, em conjunto com Joaquim Barroca e Helder Bataglia, com vista à atribuição de nova quantia a favor de Sócrates".
Este esquema passava, segundo o MP, "pela produção de um contrato promessa de compra e venda de um edifício em Angola". "Através do incumprimento dessa contrato promessa e consequentemente perda do sinal, foi justificada a transferência de uma quantia para as contas do grupo LENA que ficou com o encargo de devolver o mesmo montante a Carlos Santos Silva ou a sociedades do mesmo, para este, por sua vez, fazer chegar o dinheiro a José Sócrates", explica.
Os factos em investigação na Operação Marquês tiveram lugar entre 2006 e 2015. Segundo a acusação, em síntese, "ficou indiciado que os arguidos que exerciam funções públicas ou equiparadas, tendo em vista a obtenção de vantagens, agiram em violação dos deveres funcionais".
Notícia atualizada às 19h20 com base na consulta da TSF do despacho de acusação da Operação Marquês.