Ana Gomes assinala que durante o período de poder do antigo líder angolano, a democracia no país "era uma ficção". António Monteiro destacou o "trabalho pela paz" em Angola.
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O antigo Presidente da República de Angola, José Eduardo dos Santos, morreu esta sexta-feira aos 79 anos em Barcelona após doença prolongada.
Pela emissão especial da TSF passaram a antiga diplomata e eurodeputada Ana Gomes, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros António Monteiro e o diretor-adjunto e editor de Internacional da TSF, Ricardo Alexandre.
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O antigo Presidente da Angola estava há duas semanas internado nos cuidados intensivos de uma clínica em Barcelona. Em comunicado, o executivo angolano apresenta "profundos sentimentos de pesar" à família e apela "à serenidade de todos neste momento de dor e consternação".
Filha escreve nas redes sociais que "os pais nunca morrem"
Tchizé dos Santos, filha do ex-presidente de Angola José Eduardo dos Santos, escreveu nas redes sociais que "os pais nunca morrem" e "vivem para sempre" nos filhos.
"Os pais nunca morrem porque são o amor mais verdadeiro que os filhos conhecem em toda a vida. Eles vivem para sempre dentro de nós", escreveu Tchizé dos Santos na rede social Instagram, numa mensagem acompanhada por uma colagem de fotografias antigas da família.
Durão Barroso evoca o estadista
O ex-primeiro-ministro português Durão Barroso lembrou "com saudade" o antigo Presidente angolano, destacando "o patriota" e "o estadista" que ficará na História do seu país e de África.
"Recordo alguém de excecional inteligência, que foi capaz de garantir a unidade nacional angolana num contexto geopolítico extraordinariamente difícil, que ficará indelevelmente na História de Angola, de África e também das relações de Angola com Portugal", escreveu o ex-presidente da Comissão Europeia e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros português, numa declaração enviada à agência Lusa.
José Manuel Durão Barroso, que antes de chefiar o Governo foi mediador, em representação de Portugal, dos Acordos de Paz para Angola, lembrou "com saudade" José Eduardo dos Santos.
"Não posso deixar de lembrar com saudade o patriota angolano e o estadista, com quem tive a honra de trabalhar para a paz e a reconciliação nacional em Angola. Recordo sobretudo que este foi o processo que conduziu às primeiras eleições livres e democráticas em Angola, e como tal reconhecidas pelas Nações Unidas e pela comunidade internacional", sublinha no texto.
Durão Barroso assinala que "este momento fúnebre e triste não é o adequado para fazer um balanço completo da ação de José Eduardo dos Santos, e das muito complexas situações que Angola teve de enfrentar durante a sua presidência".
Mira Amaral recorda "comportamento sereno e frio"
O antigo ministro e líder do Banco BIC, Luís Mira Amaral, recordou o antigo Presidente angolano como uma pessoa com um "comportamento bastante sereno e frio".
Contactado pela Lusa, Mira Amaral respondeu que apenas esteve com José Eduardo dos Santos uma vez: "Apenas o cumprimentei uma vez, quando ele veio em visita oficial a Portugal, numa receção no Palácio da Ajuda [Lisboa] a convite do então Presidente da República, Cavaco Silva, (...), mas nunca conheci o senhor".
No entanto, o economista recordou a "longa duração" do mandato do antigo chefe de Estado angolano. "Acho que teve um comportamento bastante sereno e frio quando o líder da UNITA [Jonas Savimbi] desapareceu. Ele foi bastante frio na gestão das coisas em nome da paz. Teve esse comportamento bastante positivo nessa fase", disse.
"Hoje também não podemos esquecer o ditador"
O presidente do Chega endereçou os seus sentimentos à família de José Eduardo dos Santos, mas considerou que o ex-Presidente de Angola foi "um ditador" e um dos "principais responsáveis pelo enorme empobrecimento do povo angolano".
Em declarações aos jornalistas na Assembleia da República, André Ventura apresentou os seus "sentimentos à família de José Eduardo dos Santos e também ao povo angolano" pela morte de José Eduardo dos Santos, aos 79 anos, após doença prolongada.
"Acompanhamos nesse sentido o luto da família e do povo angolano, que saudamos", afirmou.
Morte do "chefe da nomenclatura" angolana
O socialista e ex-ministro da Cultura João Soares lamentou a morte de José Eduardo dos Santos, considerando que foi "o chefe da nomenclatura cleptocrática" durante muitos anos.
"Teve os melhores cuidados médicos, sobretudo fora de Angola, porque infelizmente a Angola que ele e o João Lourenço deixam, eles são inseparáveis apesar do drama 'shakespeariano' entre eles, é uma Angola onde ninguém pode ter um tratamento médico decente, nem sequer a nomenclatura cleptocrática que governa Angola há 48 anos", disse à agência Lusa.
Segundo o socialista, José Eduardo dos Santos foi "o chefe desta nomenclatura durante muitos anos" que passou o poder a João Lourenço, atual Presidente, uma vez que "nunca houve eleições livres em Angola".
João Soares criticou também a educação em Angola ao considerar que "é uma desgraça" e lamentar que "a maior parte da nomenclatura" venha estudar para o estrangeiro, nomeadamente para Portugal.
O antigo ministro da Cultura disse igualmente que "não há o mínimo de segurança social em Angola", frisando que "basta lá ir por uma semana para perceber o desastre de país que é", apesar de ter "todas as condições para ser um dos mais produtivos".
"Eles [José Eduardo dos Santos e João Lourenço] são o poder de uma cleptocracia há 50 anos, eles vão ultrapassar o tempo que durou a ditadura do Estado novo em Portugal e foi uma conjugação de métodos entre aquilo que foram os métodos de Salazar e do Marcelo Caetano e os métodos dos países comunistas", precisou.
João Soares recordou ainda que José Eduardo dos Santos e João Lourenço foram educados "pela escola salazarista no tempo em que eram mais jovens, e pela escola comunista, quando foram para o exílio".
Martins da Cruz realça transformação de Angola em "potência regional"
O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros português António Martins da Cruz salientou que o ex-Presidente angolano soube ganhar a paz após a guerra civil e transformou Angola numa potência de África.
"José Eduardo dos Santos foi um grande presidente angolano e africano, porque ganhou a longa guerra civil - de 1975 até 2002 -, mas a seguir soube ganhar a paz, ou seja, integrar os generais e oficiais da Unita nas Forças Armadas de Angola e chamar vários membros da Unita para o seu próprio governo. Transformou Angola numa potência regional e marcou o tempo angolano e o tempo africano", afirmou.
Em declarações à Lusa, o antigo diplomata assinalou que José Eduardo dos Santos "soube construir uma democracia" e que Angola pode ser "um exemplo" para outras nações africanas.
Enfatizando a criação de "um sistema partidário que funciona" e "eleições que são fiscalizadas por observadores internacionais", Martins da Cruz recordou as "dezenas de vezes" que esteve com o antigo chefe de Estado angolano, destacando ainda ter sido "o único português convidado para o último aniversário" celebrado durante a sua presidência.
"Tinha um enorme respeito por Portugal. Sabia exatamente qual era o papel que tínhamos desempenhado para a paz em Angola durante as negociações de paz e respeitava muito as relações com Portugal. Soube sair como presidente e saiu de Angola para não se meter no dia a dia da governação. O atual presidente, João Lourenço, foi o seu último ministro da Defesa e creio que até aí teve um papel para preservar o equilíbrio político e a paz", acrescentou.