Da geringonça à TAP. As polémicas que não levaram à demissão de António Costa
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A geringonça, a Covid-19, os incêndios de Pedrógão, o atropelamento mortal, a TAP. António Costa, que tinha aguentado tudo até agora, apresentou esta terça-feira a demissão ao fim de quase oito anos em funções como primeiro-ministro, cargo para o qual foi empossado em 26 de novembro de 2015 por Aníbal Cavaco Silva, o então Presidente da República.
Depois de sobreviver a polémicas sucessivas, de demitir ministros e segurar outros, Costa considerou agora que a "dignidade" de um primeiro-ministro "não é compatível" com suspeitas, depois da abertura de um inquérito, pelo Supremo Tribunal de Justiça, à sua conduta nos negócios do lítio e do hidrogénio verde.
Por causa deste caso João Galamba foi constituído arguido, mas foi outra polémica que obrigou António Costa a defender o ministro das Infraestruturas, naquele que representava, até agora, o expoente máximo da crise nos Governos liderados por Costa.
Em maio deste ano, Costa recusou a demissão de Galamba - que tinha pedido para abandonar o cargo "em prol da necessária tranquilidade institucional", na sequência do caso que o opunha ao adjunto exonerado Frederico Pinheiro e que envolveu acusações de uso indevido do Serviço de Informações de Segurança, agressões no Ministério das Infraestruturas e, no centro de toda a suspeita, de ocultação deliberada de informações à Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP.
A decisão marcou a maior cisão de sempre entre o Presidente da República e o primeiro-ministro. Marcelo Rebelo de Sousa disse discordar da posição de António Costa "quanto à leitura política dos factos e quanto à perceção deles, resultante por parte dos portugueses no que respeita ao prestígio das instituições que os regem".
A turbulência da TAP ameaçou várias vezes cortar as asas a Costa e tirou a cadeira a outro ministro de Costa. Pedro Nuno Santos demitiu-se no seguimento do polémico pagamento de uma indemnização de meio milhão de euros, por parte da TAP, a Alexandra Reis. Antes, fora a própria Alexandra Reis afastada a pedido do ministro das Finanças, Fernando Medina.
Sobreviver politicamente à pandemia
E depois de sobreviver politicamente à pandemia de Covid-19, altura em que até contou com palavras de apoio da oposição, a crise nas urgências hospitalares ditou a primeira baixa de peso no terceiro Governo de Costa. A morte de uma grávida, embora não diretamente relacionada com o estado das urgências, foi o pretexto para a saída de Marta Temido.
Apenas um mês antes, o mal-estar gerado pelo despacho relativo ao futuro do aeroporto de Lisboa marcou a primeira polémica que envolveu Pedro Nuno Santos, quando este avançou com uma solução para o novo aeroporto que não estava concertada com o primeiro-ministro.
Antes, em 2021, o carro de Eduardo Cabrita, na altura ministro da Administração Interna, viu-se envolvido no atropelamento mortal de um trabalhador de uma empresa que realizava trabalhos de manutenção na A6. Cabrita demitiu-se e Costa, que o defendeu várias vezes, saiu, mais uma vez, ileso.
O futuro de António Costa também foi abalado no mesmo ano pelo chumbo da proposta de Orçamento do Estado para 2022 na generalidade, no início do segundo mandato presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa. Mas a dissolução do Parlamento e a realização de eleições legislativas antecipadas, realizadas em 30 de janeiro de 2022, acabaram em reviravolta, com uma maioria absoluta para o PS.
Ao longo dos seus três governos, o primeiro-ministro teve de lidar com casos sucessivos que ligaram socialistas e pessoas ligadas ao Executivo a casos de Justiça, suspeitas de corrupção, aproveitamento indevido de fundos comunitários, incompatibilidades e várias acusações de ligações familiares no Governo.
Enfrentou cinco moções de censura como chefe de Governo, a primeira apresentada pelo CDS-PP, na sequência dos incêndios que devastaram o país no verão de 2017. Os centristas exigiam que Costa assumisse responsabilidades políticas pelo relatório da Comissão Técnica Independente sobre os incêndios em Pedrógão Grande e Góis. Nem o primeiro-ministro se demitiu, nem a moção passou.
No mesmo ano, outra grande polémica: o ex-ministro das Finanças Mário Centeno é acusado de mentir no inquérito parlamentar à Caixa Geral de Depósitos. Costa recusou demitir Centeno e resistiu, também, às vozes que exigiam o seu afastamento.
Recuando oito anos, a primeira polémica a envolver António Costa foi ter assumido o mandato (2015-2019) como primeiro-ministro sem que o PS tivesse ganhado as eleições, mas com base em acordos parlamentares bilaterais com o BE, o PCP e o PEV na conhecida geringonça.
