"Não é muito fácil." Marcelo sugere "reflexão" sobre financiamento dos partidos e grupos parlamentares
Chefe de Estado assinala que estudou estes temas quando construiu a sua tese de doutoramento e chegou à conclusão de que os grupos parlamentares são órgãos dos partidos e do Parlamento.
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O Presidente da República defendeu esta quinta-feira que vale a pena fazer uma "reflexão" sobre a lei do financiamento dos partidos e as fronteiras da atividade dos grupos parlamentares, reconhecendo desde já que "não é muito fácil" fazê-lo.
"São órgãos do partido ou são órgãos do Parlamento? Ou são as duas coisas? Cheguei à conclusão de que eram as duas coisas, que é, aliás, a conclusão a que já chegou também o Tribunal Constitucional (TC), pelo menos num acórdão que conheço, antigo", comentou quando questionado sobre a operação que levou à realização de buscas na residência do anterior presidente do PSD, Rui Rio, e na sede nacional do partido, por suspeitas de peculato e abuso de poderes na utilização de fundos de natureza pública em contexto político-partidário, segundo a Polícia Judiciária (PJ).
Em causa estão suspeitas de uso indevido de dinheiros públicos, através de verbas da Assembleia da República definidas para a assessoria dos grupos parlamentares e que seriam utilizadas para pagar a funcionários do partido que não trabalhariam no parlamento.
Recusando comentar diretamente esta operação judicial, Marcelo Rebelo de Sousa abordou a questão da natureza dos grupos parlamentares, que podem constituir gabinetes com verbas atribuídas consoante o respetivo número de deputados, a propósito da dúvida sobre se podem ou não incluir pessoal em funções para o partido fora do Parlamento.
"A dificuldade vem de uma questão muito simples: os grupos parlamentares por um lado funcionam como uma realidade partidária, têm peso na vida interna dos partidos e participam na vida política partidária a nível nacional como local. Por outro lado, têm atividade como órgãos do parlamento", assinalou.
Para Marcelo, é preciso definir "como é que é, o que pode ser e o que não pode ser" incluído no uso das subvenções e no pagamento de assessorias, sendo que, assinalou, a mais recente fórmula legal, de 2015, estabelece que "a cada grupo parlamentar ou deputado é atribuída anualmente uma subvenção para encargos de assessoria aos deputados, para a atividade política e partidária e para outras despesas de funcionamento".
"Foi aditada esta atividade política e partidária dos deputados, fica numa zona cinzenta e aí entra ou não a possibilidade de integrarem as tais despesas para assessoria, que vêm antes. São coisas diferentes ou podem conjugar-se se os assessores forem importantes para a atividade política e partidária, que não é parlamentar, dos parlamentares?", questionou.
O chefe de Estado assinalou até que a natureza jurídica dos grupos parlamentares foi um dos temas que estudou para construir a sua tese de doutoramento, em 1985, e que perante estas buscas, foi consultar os estatutos de PSD e PS para saber como estão consagrados.
"Por um lado são órgãos do Parlamento, funcionam dentro do Parlamento e contribuem para a formação da vontade do Parlamento. Por outro lado, são órgãos dos partidos", assinalou. "Confirmei que isso lá vem: estatuto, órgãos dos partidos, grupo parlamentar."
Perante esta "dupla natureza" dos grupos parlamentares, torna-se "muito difícil depois saber como é o funcionamento no dia a dia e, portanto, o financiamento no dia a dia".
Marcelo espera agora ver "clarificadas no futuro" as expressões que definem as subvenções e o seu uso, "para se perceber que, quando o dinheiro é para assessoria, é para assessoria, não é para atividade política e partidária, que não é parlamentar, de um deputado", se "cabe aí ou não a assessoria política e partidária, e em que termos" e ainda se "cabe aí ou não utilizar esse dinheiro também para isso".
Para o "futuro", deixou uma conclusão: "Os estatutos partidários parecem querer dizer que os grupos parlamentares, além de órgãos do Parlamento, são órgãos do partido. Por outro lado, a análise da lei, e isso já é um problema de interpretação, levanta a questão de se saber, quando se diz que a subvenção pode ser utilizada para assessoria e também para atividades políticas e partidárias dos deputados, se nessas atividades políticas e partidárias dos deputados cabe a assessoria fora de tarefas meramente parlamentares".