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A maioria dos processos do Tribunal Central de Instrução Criminal - também conhecido como Ticão - entre setembro de 2014 e abril de 2015 foram distribuídos de forma manual, sem sorteio. Ao todo foram mais de uma centena de processos.
A conclusão, com números, está na decisão instrutória, de mais de seis mil páginas, de Ivo Rosa, sobre a Operação Marquês, onde se sublinha que por lei essa distribuição deve ser feita, por norma, de forma eletrónica para evitar distribuições arbitrárias.
O juiz fala mesmo em factos que podem ser crime "na distribuição de processos" durante esse período de tempo no Tribunal e não apenas na entrega da Operação Marquês ao juiz Carlos Alexandre a 9 de setembro de 2014.
Segundo Ivo Rosa, entre setembro de 2014 e abril de 2015, o juiz 1 do TCIC (Carlos Alexandre) recebeu 26 processos por distribuição eletrónica (sorteio), 33 por sorteio manual e 56 por atribuição manual.
Para o juiz 2 (à época, João Bártolo) foram 26 processos por distribuição eletrónica (sorteio), 38 por sorteio manual e 72 por atribuição manual.
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Ao comentar estes números e antes de os encaminhar para a Procuradoria-Geral da República para serem investigados, sublinhando a ilegalidade da falta de sorteio na distribuição da Operação Marquês, Ivo Rosa constata que a modalidade atribuição manual "foi a mais utilizada".
Se fizermos as contas, 128 dos 251 processos distribuídos naquele período foram-no por atribuição manual.
O juiz acrescenta que encontrou "situações em que no mesmo dia foi utilizada a modalidade de distribuição eletrónica e a modalidade de distribuição manual, o que evidencia que em 9 de setembro de 2014 [dia distribuição da Operação Marquês] o sistema eletrónico estava em perfeito funcionamento, aliás como confirmado" pelo instituto do Ministério da Justiça que gere o sistema informático dos tribunais (IGFEJ).
"Verifica-se, também, a existência de situações em que o mesmo processo foi distribuído eletronicamente ao juiz 2 e no dia seguinte surge como distribuído, por manual atribuição, ao juiz 1", refere Ivo Rosa.
Ordem dos Advogados exige explicações
Questionado pela TSF sobre as conclusões e os números avançados por Ivo Rosa, o bastonário da Ordem dos Advogados admite que as acusações são graves.
Menezes Leitão recorda uma investigação do Conselho Superior de Magistratura (CSM) que há um ano revelou centenas de processos distribuídos manualmente no Tribunal da Relação de Lisboa ao longo de 15 anos e diz que as suspeitas agora levantadas por Ivo Rosa têm de ser cabalmente esclarecidas.
"Perante uma denúncia com esta gravidade, é muito importante que sejam prestados esclarecimentos e que o CSM abra um processo de averiguações para ver o que se passou aqui para ver se a denúncia se confirma ou não", defende o bastonário, que sublinha que em causa estão mais de uma centena de processos, temendo os efeitos sobre a confiança na justiça.
"O juiz Ivo Rosa faz uma denúncia concreta e é estranho que os processos devam ter ser sorteados eletronicamente e se faça uma distribuição manual sem se explicar porquê", avisa Menezes Leitão.
Confrontado pela TSF, o CSM reforça o que já tinha dito há dias, garantindo que em todos os tribunais existem regras transparentes sobre atribuição e transição de processos, com respeito pelo princípio do juiz natural, numa regra que proíbe a distribuição de processos de forma arbitrária para garantir uma escolha imparcial e isenta.
O advogado de Armando Vara, que inicialmente levantou a questão da alegada violação, em 2014, do princípio constitucional do juiz natural na Operação Marquês, refere uma "violação grave" e acrescenta que "o número de vezes em que isso aconteceu deixa-nos particularmente preocupados, não se encontrando nenhuma explicação''.
Tiago Rodrigues Bastos espera, contudo, que a iniciativa de Ivo Rosa de participar os números da distribuição de processos para as autoridades competentes - a PGR - possa "trazer alguma luz relativamente ao que aconteceu" no Tribunal Central de Instrução Criminal entre 2014 e 2015.