Enquanto houve estrada para andar, Costa afastou "casos e casinhos" com maioria à sua imagem
A relação entre Costa e Marcelo foi-se crispando, com o Presidente a deixar diversos avisos: "Não será politicamente fácil que esse rosto, essa cara que venceu, de forma incontestável e notável, as eleições, possa ser substituída por outra a meio do caminho."
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Enquanto houve estrada para andar, António Costa sempre gostou de citar Jorge Palma. No primeiro dia do resto da vida da maioria, o Presidente da República amarrava a legislatura ao rosto do primeiro-ministro.
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"Tenho a certeza que vossa excelência sabe que não será politicamente fácil que esse rosto, essa cara que venceu, de forma incontestável e notável, as eleições, possa ser substituída por outra a meio do caminho", avisava Marcelo Rebelo de Sousa.
Já o primeiro-ministro considerou que "os portugueses resolveram nas eleições a crise política e garantiram, como muito bem recordou vossa excelência senhor Presidente da República, a estabilidade até outubro de 2026".
Costa prometia uma maioria de diálogo para afastar as memórias de outras maiorias absolutas e sublinhava que esta não significava "poder absoluto".
Ainda na sequela da pandemia, sob os efeitos da guerra e da inflação, a maioria do PS tem nuvens no horizonte, mas é dentro dela própria que, ao longo do primeiro ano, se sucedem "os casos e casinhos", como chamou António Costa.
"Fazem ruído, mas vamos seguindo em frente e concentrámo-nos naquilo que é fundamental. Com as mãozinhas no volante e os olhos na estrada, porque o caminho é para a frente e sem distrações laterais", apontou o chefe do Executivo.
O caso de Miguel Alves, secretário-adjunto do primeiro-ministro, que Costa segura, até ele ser acusado por prevaricação na teia de outra investigação. E o Ministério das Infraestruturas no centro de várias polémicas.
"Soube agora, é que há um despacho" assinado pelo gabinete de Pedro Nuno Santos, a revelia de outros agentes políticos. Mas durou pouco, o despacho foi desautorizado publicamente pelo primeiro-ministro, ausente do país.
"Houve um erro. Houve um erro grave, o ministro já o assumiu, teve a oportunidade para falar comigo", disse Costa.
"Esta é uma falha relevante, que assumo, criada fruto de erros de comunicação e articulação dentro do Governo, que são da minha inteira responsabilidade", assumiu o ministro.
Dessa vez, Pedro Nuno Santos ficou, mas acabou por sair, em cima do Natal do ano passado, por causa da indemnização de meio milhão paga a Alexandra Reis. O caso acabaria por resultar em incidentes no Ministério das Infraestruturas. Marcelo pede a saída de João Galamba, mas Costa chama os jornalistas a São Bento para dizer que segura o ministro
"Em nome do Governo, quero apresentar desculpas aos portugueses", começou por dizer, acrescentando que o gesto do ministro das Infraestruturas, que chegou a apresentar demissão, era "um gesto nobre", que respeitava, mas que, "em consciência", não podia aceitar.
Logo a seguir, Marcelo insiste: "Como pode esse ministro não ser responsável por situações rocambolescas, muito bizarras, inadmissíveis ou deploráveis - as palavras não são minhas -, suscitadas por esse colaborador. Responsabilidade é mais do que pedir desculpa, é pagar por aquilo que se faz ou deixou de fazer."
Estava quebrada a relação especial entre os dois palácios. O Presidente prometia ser mais vigilante, as posições crisparam-se. Marcelo Rebelo de Sousa foi deixando avisos: "Esses grandes números ainda não chegaram à vida da maioria dos portugueses. Eles esperam e precisam de mais e melhor."
Ainda assim, em cima do debate Orçamental, com a inflação, crises e guerras internacionais, o Presidente defende o Orçamento para 2024.
"É um exercício subtil, lúcido, limitado, condicionado, num dos períodos mais complicados das últimas décadas", afirmou o chefe de Estado.
No debate, na semana passada, Costa, ainda do alto da maioria, atacou a oposição: "A oposição quer de novo assustar os portugueses" e assume que o PS é o garante da estabilidade, mas Marcelo quase parecia adivinhar quando deixou o aviso sobre os miniciclos que podem seguir-se a uma maioria.
"Só há democracia se houver alternativas e não seria bom, em termos de planeamentos estratégicos, nomeadamente económico, que a um ciclo de tendencial estabilidade, apesar das várias crises externas sofridas, sucedesse um ciclo formado ou constituído por miniciclos governativos com fragmentações partidárias é imprevisibilidade no funcionamento do sistema político", defendeu.
Agora, é o tempo do Presidente.