- Comentar
O Tribunal Constitucional (TC) decidiu, esta segunda-feira, pronunciar como inconstitucional, com uma votação de sete contra cinco, a proposta de lei que despenaliza a morte medicamente assistida em Portugal.
O anúncio foi feito em sessão na sede do TC, em Lisboa, pelo juiz relator, Pedro Machete, e depois foi explicado, em comunicado lido pelo presidente, João Caupers.
Na leitura da decisão, os juízes citam como fundamento da decisão "a violação do princípio de determinabilidade da lei enquanto corolário dos princípios do Estado de Direito democrático e da reserva de lei, decorrentes das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 165.º, número 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa por referência à inviolabilidade da vida humana".
Foram declaradas inconstitucionais "as normas constantes dos artigos 4.º, 5.º, 7.º e 27.º" do decreto proposto pelo Governo.
Votaram pela inconstitucionalidade os juízes conselheiros Pedro Machete, Maria de Fátima Mata-Mouros, Lino Rodrigues Ribeiro, José António Teles Pereira, Joana Fernandes Costa, Maria José Rangel de Mesquita e o presidente do TC, João Pedro Caupers. Só este último não apresentou declaração de voto.
Subscrever newsletter
Subscreva a nossa newsletter e tenha as notícias no seu e-mail todos os dias
Contra votaram cinco juízes do tribunal, Mariana Canotilho, José João Abrantes, Maria da Assunção Raimundo, Gonçalo de Almeida Ribeiro e Fernando Vaz Ventura.
Os juízes deram razão às dúvidas levantadas pelo Presidente quanto aos "conceitos excessivamente indeterminados, na definição dos requisitos de permissão da despenalização da morte medicamente assistida, e consagra a delegação, pela Assembleia da República, de matéria que lhe competia densificar".
Inviolabilidade da vida humana não é obstáculo inultrapassável
O Tribunal Constitucional considera que a inviolabilidade da vida humana consagrada na Constituição não constitui um obstáculo inultrapassável para se despenalizar em determinadas condições a antecipação da morte medicamente assistida.
Esta posição foi transmitida pelo presidente do TC, João Caupers, após o anúncio da declaração de inconstitucionalidade do diploma do parlamento sobre esta matéria, por "insuficiente densidade normativa".
"O tribunal apreciou, tendo concluído pela negativa, a questão de saber se a inviolabilidade da vida humana consagrada no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição constitui um obstáculo inultrapassável a uma norma como a do artigo 2.º, n.º 1, aqui em causa que admite a antecipação da morte medicamente assistida em determinadas condições", declarou o presidente do Tribunal Constitucional.
O artigo 24.º, n.º 1, da Constituição determina que "a vida humana é inviolável".
De acordo com João Caupers, "a este respeito considerou o tribunal que o direito a viver não pode transfigurar-se num dever de viver em quaisquer circunstâncias".
"Na verdade, a conceção de pessoa própria de uma sociedade democrática, laica e plural, dos pontos de vista ético, moral e filosófico - que é aquela que a Constituição da República Portuguesa acolhe - legitima que a tensão entre o dever de proteção da vida e o respeito da autonomia pessoal em situações limite de sofrimento possa ser resolvida por via de opções político-legislativas feitas pelos representantes do povo democraticamente eleitos, como a da antecipação da morte medicamente assistida a pedido da própria pessoa", argumentou.
João Caupers acrescentou que "tal solução impõe a instituição de um sistema legal de proteção que salvaguarde em termos materiais e procedimentais os direitos fundamentais em causa, nomeadamente o direito à vida e à autonomia pessoal de quem pede a antecipação da sua morte e de quem nela colabora" e que, "por isso mesmo, as condições em que, no quadro desse sistema, a antecipação da morte medicamente assistida é admissível têm de ser claras, precisas, antecipáveis e controláveis".
Marcelo pediu fiscalização preventiva
Na mensagem, Marcelo Rebelo de Sousa pedia aos juízes do Tribunal Constitucional que avaliassem não a constitucionalidade do próprio conceito de eutanásia, mas antes a indeterminação e "subjetividade" de vários conceitos que constam do documento.
Em vez de se centrar no princípio da Constituição segundo o qual a vida "é inviolável", o Presidente da República fundamentou o pedido em aspetos jurídicos do diploma, nomeadamente o facto de a Assembleia da República remeter para os médicos a definição de alguns critérios essenciais para que a eutanásia possa ser exercida.
Depois do chumbo do TC diploma deverá ser vetado pelo Presidente da República e devolvido, neste caso, ao parlamento, que poderá reformulá-lo expurgando o conteúdo julgado inconstitucional ou confirmá-lo por maioria de dois terços.
De acordo com a lei aprovada, em janeiro, pelo Parlamento, deixa de ser punida a "antecipação da morte medicamente assistida" verificadas as seguintes condições: "por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde".
O texto foi aprovado no Parlamento no final de janeiro, pela maioria dos deputados do PS, Bloco de Esquerda, 14 deputados do PSD, PAN, PEV, Iniciativa Liberal e pelas deputadas independentes Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues. Num universo de 218 votantes dos 230 deputados, houve 136 votos a favor, 78 contra e quatro abstenções.
*Notícia atualizada às 19h24